terça-feira, 24 de setembro de 2013

Danos morais, Consumidor deve indenizar empresa por excesso no direito de reclamar


A 3ª turma Cível do TJ/DF negou provimento a recurso interposto contra sentença que condenou consumidor a retirar reclamação feita em desfavor de empresa em site na internet, bem como a indenizá-la por danos morais. Segundo a decisão, o direito de manifestar insatisfação quanto aos serviços prestados "deve ser exercido com moderação e urbanidade, de modo a não atingir a honra, a dignidade e a imagem do prestador de serviços ou de seus prepostos".
Ao ajuizar ação, os autores, uma instituição de ensino e outros, relataram que foi firmado contrato de prestação de serviços de treinamento para aprendizado no módulo denominado "tratamento de imagem" com o réu. Este, por sua vez, participou das aulas, realizou as provas e concluiu o curso.
Ressaltam que o consumidor só procurou a instituição para pleitear a devolução da quantia paga após a entrega do certificado de conclusão de curso. Ao ter o pedido recusado, o demandado publicou reclamação no site 'Reclame Aqui' onde constou, "de forma difamatória, caluniosa e ofensiva, a sua indicação com os requerentes, chamando-os de mafiosos e denegrindo a imagem dos mesmos".
Em sua defesa, o réu sustentou que a publicidade dos autores foi enganosa e que não houve o cumprimento satisfatório do contrato. Menciona que formulou reclamação junto ao Procon e ao site por ter se sentido lesado em relação ao curso, asseverando que apenas tentou alertar outros consumidores sobre os serviços viciados e defeituosos oferecidos pelos autores.
Ao julgar o feito, a juíza de Direito substituta Monize da Silva Freitas Marques, da 19ª vara Cível de Brasília/DF, registrou que o réu logrou aprovação com média 8,5, não havendo registro de reclamação sua durante o curso finalizado há mais de três anos. Além disso, os extratos da pesquisa de satisfação com o curso revelam que os alunos participantes atribuíram menção "ótimo ou muito bom" a quase todos os itens.
"Verifica-se, assim, que o réu cometeu ato ilícito, na forma do art. 187 do Código Civil. Por entender que deveria receber seu dinheiro de volta, adotou um comportamento desrespeitoso com os autores, constrangendo-os com agressões verbais, inclusive utilizando a rede mundial de computadores, ensejando sérios inconvenientes", concluiu a juíza.
A magistrada, então, condenou o réu a pagar aos autores a importância de R$ 9mil e a retirar a reclamação do site 'Reclame Aqui', sob pena de multa diária de R$ 60. O consumidor recorreu da decisão.
Ao analisar a ação, os magistrados da 3ª turma, sob a relatoria da desembargadora Nídia Corrêa Lima, negaram provimento ao recurso e mantiveram a decisão de 1º grau. Para eles, o réu, "ao manifestar a sua insatisfação com os serviços prestados, excedeu em seus comentários, ofendendo a honra e a imagem dos autores, tem-se por configurada o ato ilícito passível de justificar a sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais".
Confira a decisão.



fonte: Migalhas

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Ministro arquiva ação que pedia desbloqueio de bens da Telexfree


O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o arquivamento da Ação Cautelar (AC) 3438, com pedido de liminar, ajuizada pela Ympactus Comercial S.A., que usa o nome de fantasia Telexfree INC, com o objetivo de suspender bloqueio de bens da empresa decretado pela justiça do Acre. Segundo a decisão do ministro, publicada no Diário da Justiça do STF do dia 30 de agosto, a cautelar é inadmissível, pois a jurisprudência do STF não admite medida liminar “para conferir efeito suspensivo a recurso extraordinário que não passou pelo crivo de admissibilidade pelo tribunal prolator do acórdão recorrido”.
De acordo com os autos, o Ministério Público estadual ajuizou ação cautelar preparatória de ação civil pública sob o argumento principal de que a empresa promoveria a chamada “pirâmide financeira”, disfarçada de venda direta de serviço de telecomunicação com tecnologia VOIP, por meio de marketing multinível. A empresa alega que sua atividade econômica principal é "intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários" e a atividade secundária são "portarias, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet".
Decisão judicial de primeira instância garantiu o funcionamento da empresa, indeferindo pedido de intervenção judicial. Mas determinou, contudo, o bloqueio de todos os bens da pessoa jurídica e de seus sócios. Para impugnar essa restrição, a empresa interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, negado pelo Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) em liminar e no mérito.
Ao determinar o arquivamento da ação cautelar, o ministro Barroso citou súmulas do STF, que estabelecem não ser competência da Corte conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem (Súmula 634/STF), e que cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade (Súmula 635/STF). Inclui, também, precedentes do STF que entendem como inadmissível recurso extraordinário contra acórdãos que concedem ou denegam medidas cautelares, uma vez que tais decisões “não perfazem o necessário juízo de jurisdicional definitivo acerca da questão constitucional controvertida”.
Segundo o ministro, a pretensão da empresa para que a demanda seja apreciada pelo STF independentemente da realização do juízo de admissibilidade pelo tribunal de origem, sob o argumento de que “jamais obteria êxito” e “deixaria a requerente refém dos caprichos do tribunal”, além de não encontrar respaldo na jurisprudência  “apenas evidencia a inadmissível pretensão da autora de obter desta Suprema Corte – prematuramente e com supressão de todas as demais instâncias – manifestação conclusiva e definitiva sobre questão em relação à qual nem sequer houve pronunciamento de mérito por parte do primeiro grau de jurisdição”.



fonte: STJ

domingo, 1 de setembro de 2013

Documento do Wikileaks diz que Rede Globo repassava só 10% das doações do Criança Esperança para a Unesco


 

“Há coisas mais importantes a serem discutidas e, adicionalmente, as investigações, que entram quase automaticamente na pauta das reuniões do Comitê Executivo, não revelaram nada relevante até o momento”, argumentou ao pessoal da embaixada dos EUA em Paris o embaixador brasileiro, Luiz Filipe de Macedo Soares.
O embaixador disse que a “inquisição” sobre a representação em Brasília estava gerando um clima de “ansiedade geral”, dando a entender que havia algo errado, o que não era o caso. Argumentou que levantar essa poeira arranha a imagem da Unesco no Brasil e espalha “pequenas doses de veneno” que danificam a reputação e credibilidade de instituições públicas e privadas, referindo-se ao Ministério da Educação e à TV Globo, conclui a embaixada em Paris.
A Globo é mencionada por causa do Criança Esperança, ONG para a qual emissora teria arrecadado cerca de 40 milhões de dólares desde 1986, ou seja, em 20 anos. A Unesco teria ficado com 10% desse montante, por conta de uma “taxa de serviço”.
Os telegramas não alegam irregularidade nisso. Apenas citam montantes, como este outro: “É válido notar que um terço da verba extra-orçamentária da Unesco (cerca de 124 milhões de dólares) passa pelos cofres do escritório brasileiro”.
A visita do embaixador brasileiro pode ter sido um tiro pela culatra, conclui a embaixada. “Em vez da receptividade esperada por ele, seus comentários nos deram mais moviots para questionar a posição do diretor-geral sobre a situação no Brasil”.
Um documento do início daquele ano revela que a chefia da Unesco falava em ponderação ao debater os assuntos brasilienses. Um representante do diretor-geral defendeu uma “estratégia de transição para permitir uma transferência progressiva das atividades dos projetos em questão”, a fim de “não interromper projetos de impacto nacional”.
Não se pode afirmar, no entanto, que o “tiro pela culatra” se refere especificamente a isso. Nos documentos vazados pelo Wikileaks sobre esse assunto, há um vácuo entre abril e setembro.
O que procuramos fazer aqui foi identificar os pontos mais relevantes dos telegramas e entender o que se passava. Uma coisa é certa. Os americanos em Paris estavam impressionados com os relatos sobre irregularidades em Brasília e a cúpula da Unesco estava preocupada em não criar embaraços com o governo brasileiro.
Viagens e suspeitas
O governo brasileiro, pelo jeito, jogou para ganhar. A ponto de John Parsons, diretor do que seria a corregedoria interna da Unesco, ter ameaçado abandonar seu posto tamanha a campanha de difamação promovida contra ele, segundo documento de 26 de setembro de 2006.
Outra atitude de Brasília foi vetar o nome do americano Richard Goughnour, indicado por Matsuura, para assumir o escritório na capital federal. Segundo a embaixada em Paris, foi uma medida “muito inusitada”.
Inusitados também são os números referentes a missões internacionais do escritório da Unesco em Brasília. Em menos de um ano, o escritório teria empenhado 60 milhões de dólares em 30 mil viagens – o que daria cerca de 80 por dia – e cancelado nada menos que mil viagens por mês.
A agência responsável teria sido escolhida sem licitação e pedidos de abertura de concorrência estariam sendo ignorados desde 2001, apesar de recomendações “insistentes” do auditor. Parsons aí levantou a hipótese de “lavagem de dinheiro”, segundo um telegrama.
O assunto começou a ganhar corpo com o telegrama de 26 de setembro de 2006, intitulado “Novas informações alarmantes sobre a sede da Unesco em Brasília”, que cita John Parsons, “em off”, como fonte das informações e pede que seu nome seja protegido. O nome de Parsons também aparece no documento que informa sobre a ação penal em curso. Foi ele quem entregou à Embaixada dos EUA em Paris a cópia da carta endereçada ao diretor-geral, “demonstrando mais uma vez disposição de se arriscar para trabalhar próximo a nós (fecha aspas).
Agora as aflições do auditor não são mais segredo e tudo que a diplomacia americana conjecturou sobre esse tema está “em on”, aqui na Pública, graças ao Wikileaks.
A representação da Unesco em Brasília disse que não se manifesta sobre documentos não oficiais e que todas as suas ações no Brasil estão amparadas na lesgislação. A Unesco se recusa a informar quanto recebe do governo.
Os documentos são parte de 2.500 relatórios diplomáticos referentes ao Brasil ainda inéditos, que foram analisados por 15 jornalistas independentes e estão sendo publicados nesta semana pela agência Pública.
Nota da Rede Globo
Em uma nota divulgada no dia 8 de junho de 2011 para esclarecer rumores sobre possíveis benefícios fiscais que a emissora teria com a campanha, a Rede Globo informou que nenhuma doação do Criança Esperança passa pela emissora. De acordo com dados da própria emissora, já foram arrecadados mais de R$ 270 milhões até a última campanha.
Procurada pela reportagem, a emissora carioca respondeu, em nota, que “desconhece os documentos citados [do WikiLeaks]”, e informa que a parceria com a Unesco, que não traz nenhuma cláusula referente a pagamento de “taxa de serviço”, teve início apenas em 2004.
Leia a nota da Rede Globo na íntegra:
“A Globo desconhece os documentos citados. Mas esclarece que não mantém parceria com a Unesco desde 1986, ano do lançamento do projeto Criança Esperança. A parceira com a Unesco começou apenas em 2004. Neste acordo, não existe qualquer cláusula prevendo pagamento de taxa de administração. Todos os custos referentes à gestão e administração do fundo Criança Esperança, a cargo da Unesco, são integralmente pagos pela TV Globo com recursos próprios. Há 28 anos o Criança Esperança contribui para a mobilização da sociedade brasileira para a garantia dos direitos de crianças e jovens e já beneficiou mais de 4 milhões de brasileiros.”



fonte: Anonymous

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cautelar da Telexfree é extinta por ser pequena a chance de admissão do recurso especial


A ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), extinguiu medida cautelar movida pela Ympactus Comercial Ltda. ME, representante da Telexfree, e manteve suspensas as atividades da empresa. Seus ativos financeiros também seguem bloqueados.

A suspensão foi determinada em liminar no âmbito de ação promovida pelo Ministério Público do Acre (MPAC). A empresa recorreu da suspensão ao Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), que negou o agravo de instrumento.

Dessa decisão, a empresa interpôs recurso especial, cuja admissibilidade ainda não foi examinada pelo TJAC. Compete ao tribunal local verificar se os requisitos formais do recurso especial estão atendidos, decidindo se remete o exame de mérito ou não ao STJ. Era a esse recurso que a cautelar buscava conceder efeito suspensivo. Se atendida, a empresa conseguiria retomar suas atividades.

Admissão improvável

Porém, conforme a relatora, para que o efeito suspensivo a recurso especial ainda não admitido seja concedido pelo STJ, é preciso que se verifique a forte probabilidade desse recurso ser viável e defender uma tese jurídica plausível. Para a ministra, não é o que ocorre no caso.

Segundo a decisão da ministra, em regra não cabe recurso especial contra decisão que concede liminar ou antecipa tutela. O exame dos pressupostos necessários para esse tipo de decisão é vedado aos tribunais superiores, conforme a Súmula 735 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, para a ministra, a análise de uma das principais alegações da empresa, a pretensão de diferenciar suas atividades do enquadramento de pirâmide financeira, demandaria o revolvimento de fatos e provas. A Súmula 7 do STJ impede esse tipo de exame em recurso especial.

A relatora também anotou que, salvo em situações excepcionais, de gravíssimo risco de dano irreversível, compete ao tribunal local o exame de medida cautelar que busca conceder efeito suspensivo a decisão impugnada por recurso especial ainda não admitido.

Alegações 
Na cautelar, a empresa sustentava estar sendo tratada de forma diferenciada, sem que existisse fundamento para tanto. A suspensão de suas atividades se basearia em meras alegações de atividade ilícita, estando ausente o devido processo legal que justificasse a “decisão avassaladora”.

Para a Ympactus, o MPAC também não teria legitimidade para atuar no caso. Segundo alega a empresa, suas atividades não envolvem direitos difusos ou coletivos, nem relação de consumo. Caso se entendesse tratar de defesa de direitos individuais homogêneos, seria indispensável a publicação de edital comunicando aos interessados o ajuizamento da ação coletiva. A falta desses requisitos tornaria nula a decisão.

Ainda conforme a empresa, a intervenção do STJ seria necessária e urgente, em razão da teratologia e ilegalidade da decisão do Judiciário acreano e da possibilidade de quebra da empresa devido à suspensão de suas atividades e bloqueio de valores. 




fonte: STJ

Achado não é roubado

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

O insuperável Machado de Assis, no conto "A carteira", relata as angústias psicológicas do personagem Honório após achar uma carteira na rua, contendo uma considerável importância em dinheiro, suficiente para quitar uma dívida prestes a vencer. Suficiente também para dar início ao seu dilema de entregar ou não a carteira, cujo dono desconhecia até então. Acabou descobrindo que pertencia ao seu dileto amigo Gustavo que, por coincidência, encontrava-se em sua casa, conversando com sua esposa, D. Amélia. O amigo recebeu a carteira e com olhar desconfiado, como que duvidando de sua posse, não foi direto na repartição apropriada para o dinheiro e sim na vizinha, naquela que trazia os cartões, anotações e bilhetes.
Percebe-se pela narrativa machadiana que a conduta se ajustaria ao tipo penal de apropriação de coisa achada se Honório não a devolvesse ao legítimo possuidor, ou se não a entregasse à autoridade competente, no prazo de 15 dias, de acordo com o disposto no inciso II do parágrafo único do artigo 169 do Código Penal. O Código Civil é mais exigente. Além de determinar a entrega da coisa ao dono ou legítimo possuidor e se não o conhecer "o inventor fará por descobri-lo, e, quando se lhe não depare, entregará o objeto achado à autoridade competente no lugar"1. Tudo para excluir a achada de coisas perdidas de modalidade de aquisição excepcional de propriedade.
O jornal O Estado de S. Paulo2 recentemente veiculou uma notícia informando que Universidade de São Paulo estaria pleiteando a devolução das obras de arte que foram encontradas por um marceneiro no lixo da própria Instituição de ensino.
Consta na matéria jornalística que o marceneiro Antônio Luiz Góis Passos, em 2011, encontrou 15 quadros de obras de arte em uma lixeira do Departamento de Química daquela universidade. Os quadros, por si sós, não são de grande valor, mas juntos somam cerca de R$ 50 mil. São reproduções originais francesas de artistas como Edgar Degas, Maurice de Vlaminck, Maurice Utrillo, Paul Gauguin e Maurice Utrillo.
Ao perceber que os quadros seriam descartados, Antônio ainda se preocupou em procurar os responsáveis para saber se o destino daquelas obras seria realmente a caçamba. Segundo ele, nem os professores nem a Instituição queriam aqueles entulhos. Pois então, seduzido pela beleza das telas e pela simplicidade de quem sabe apreciar o belo, decidiu levá-las para sua casa, onde até hoje permanecem enfeitando suas paredes.
Após dois anos, a USP agora pretende a devolução dos quadros. Seria justo?
O senso de justiça social aponta que os quadros devem permanecer com o marceneiro. Ora, foi ele quem deu um fim digno às obras que seriam esquecidas em meio a toneladas de lixo. O raciocínio é simples: quem descarta um objeto no lixo o faz porque não precisa mais dele. Pensando assim, aplausos para Antônio que agiu de boa-fé e tornou-se legítimo possuidor das obras. O direito lhe socorre.
Primeiramente, é importante entender que os bens foram voluntariamente descartados do patrimônio da Instituição. A responsabilidade civil, em tese, seria do funcionário responsável pela ordem dada. As obras depositadas na lixeira pela instituição são consideradas coisas abandonadas, isto é, o dono não tem mais interesse em sua propriedade e a despreza, deixando-a disponível para quem tiver interesse. É a chamada res derelicta.
Assim, de antemão, é possível descartar hipótese de crime de furto, art. 155, do CP, isto porque o tipo penal pressupõe a subtração de coisa alheia. Portanto, considerando que as obras perderam seu caráter de coisa alheia no momento do descarte, não há que se falar em subtração.
E quanto ao ditado popular, "o achado não é roubado"? Inicialmente, o bem que é encontrado tem relevância no mundo jurídico, pois se pressupõe a existência de um proprietário. Trata-se da res desperdicta, ou coisa perdida. Nesta senda, podemos caminhar por dois sentidos.
De um lado, se a coisa é realmente perdida, de modo que se encontra distante de seu dono, fora de sua esfera de proteção, o sujeito que se apropria do bem incide no delito do art. 169, parágrafo único, II, do CP, que é a apropriação de coisa achada. Pelo artigo citado, constitui crime "quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias".
Por outro lado, caso a coisa perdida esteja ainda sob a esfera de proteção da vítima, mas essa não percebe tê-la perdido, a subtração da coisa por outrem, então, passa a configurar o delito de furto. É o caso da vítima que, sem notar, deixa sua carteira cair e o autor, vendo a cena, nada faz, esperando o melhor momento para subtrai-la.
Na mesma esteira da res derelicta caminha a res nullius, que é a coisa de ninguém. A única diferença entre elas é que a coisa abandonada um dia já teve dono, enquanto que a outra nunca teve um proprietário. Deste modo, ambas não podem ser objeto de furto. Impossível, portanto, a subtração de um bem que foi abandonado, perdido ou que nunca teve dono.
Adiante, também podemos descartar a hipótese de apropriação indébita, do artigo 168, do CP, que pressupõe que a coisa, além de ser alheia, deve estar na posse ou detenção do sujeito ativo do delito. Veja que a hipótese é incabível ao caso em tela pelo simples fato de que o bem deve ter dono – aplica-se aqui o raciocínio visto acerca da hipótese do furto.
Ainda no estudo da apropriação indébita, também é de total improcedência a segunda parte do tipo penal, pois para configuração do delito é necessário que o sujeito ativo esteja na posse ou detenção da coisa. Ficou claro pelo noticiado que os bens não estavam na posse ou detenção do marceneiro, mas sim que foram descartados como entulho e, posteriormente, por ele recolhidos.
Por fim, a conduta de Antônio melhor se enquadra na tese de atipicidade do fato, tendo em vista que as obras de arte por ele encontradas, naquele momento, não possuíam dono, ou seja, já gozavam do status de res derelicta – coisa abandonada. Tal razão exclui a hipótese de serem os quadros classificados como res desperdicta, uma vez que eles não foram achados, e sim propositadamente dispensados.
Se justo ou não, a USP agora vai tentar reaver os quadros que por ela foram abandonados. Mas, vai encontrar um obstáculo instransponível à frente: o título de propriedade de Antonio, que lhe assegura o direito de se deliciar e mirar as obras que descansam nas paredes de sua casa. Será que Degas, destacado pintor impressionista que, como Machado de Assis, dava vida a seus personagens, fazendo com que se parecessem reais, aceitaria ser despejado do lar que o abrigou?
Agora, voltando ao conto do mestre que prima pela ironia. Quer saber por quê Gustavo desconfiou quando Honório lhe entregou a carteira com o dinheiro? Justamente porque continha em seu interior bilhetes de amor que havia escrito para Da. Amélia, com quem tinha um caso...
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1 - Artigo 603 e seu parágrafo único do Código Civil.
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Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado;Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

STJ nega pedido de indenização por ataque a barco pesqueiro durante a Segunda Guerra


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso em que familiares de pescadores pediam indenização da República Federal da Alemanha pelo afundamento do barco Changri-lá, ocorrido no litoral de Cabo Frio (RJ), durante a Segunda Guerra Mundial.

A Turma, especializada em direito privado, entendeu que o ataque de um estado a outro em período de guerra constitui decisão soberana, pela qual uma nação não se submete à jurisdição de outra nação.

Em ocasiões anteriores, o STJ julgou outros recursos de familiares das vítimas do Changri-lá, nos quais aplicou a mesma tese. Em um deles, RO 66, foi apresentado recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda pendente de admissão pela Corte Suprema.

Sem sobreviventes

De acordo com os recorrentes, em 1943, o barco de pesca Changri-lá, com dez tripulantes, foi abatido a tiros de canhão pelo submarino alemão U-199, que percorria a costa brasileira.

Os autores disseram que nenhum dos tripulantes da embarcação pesqueira sobreviveu e que, posteriormente, o submarino alemão foi abatido pelas forças brasileiras. Disseram que foram resgatados alguns sobreviventes do submarino, que, após interrogatório nos Estados Unidos, confessaram ter afundado o Changri-lá.

Em 1944, o Tribunal Marítimo concluiu que não havia provas de que o barco pesqueiro fora afundado pelo submarino alemão e arquivou o caso. Porém, em 2001, com base em novos elementos trazidos por um historiador, o Tribunal Marítimo mudou o entendimento e concluiu que o submarino da Alemanha teria mesmo abatido o Changri-lá.

O acórdão do Tribunal Marítimo declarou que o U-199 foi afundado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e lembrou que, após os sobreviventes serem resgatados e interrogados, confessaram o ataque a um “veleiro”. Depois de confrontados os depoimentos com documentos de bordo existentes no U-199, concluiu-se que a embarcação atacada era o Changri-lá.

Ato de império

Diante dessas conclusões, foi ajuizada ação de reparação por danos morais sofridos pelos familiares dos pescadores mortos no barco. A Alemanha foi comunicada do feito e declarou sua imunidade diante da jurisdição brasileira, pois entendeu que praticou ato de império, numa ofensiva militar em período de guerra.

A ação foi extinta sem julgamento de mérito em primeiro grau, em virtude da imunidade da República Federal da Alemanha. Os autores apresentaram então Recurso Ordinário contra a decisão.

Alegaram que não se aplica a imunidade nas hipóteses de afronta aos direitos humanos e que não existe imunidade de jurisdição por atos praticados no território do estado do foro.

Para a Terceira Turma, a imunidade de jurisdição não é vista de forma absoluta atualmente. De acordo com os ministros, ela é excepcionada principalmente nas hipóteses em que a causa tenha como fundo relações de natureza puramente civil, comercial ou trabalhista, ou que, de qualquer forma, se enquadre no âmbito do direito privado.

Supremacia estatal

Entretanto, de acordo com os ministros, quando se trata de atos praticados numa ofensiva militar em período de guerra, a imunidade é absoluta e “não comporta exceção”.

Segundo o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, mesmo com as confissões dos tripulantes e do comandante do U-199 às autoridades brasileiras e posteriormente às americanas, as afirmações “não socorrem os autores da ação, pois o prosseguimento do feito esbarra num óbice intransponível, segundo o direito atual: a supremacia estatal, perfectibilizada nos atos de império praticados pelas nações no âmbito de suas jurisdições”.

Noronha garantiu que no caso em questão a imunidade é absoluta, “pois o ato praticado pelo estado estrangeiro deu-se numa situação excepcional, qual seja: estado de guerra, em que o Brasil se posicionou contra a Alemanha”.

Para o colegiado, nesse tipo de situação, considera-se que os ataques praticados contra o estado com o qual se guerreia são decorrentes da decisão soberana do ente estatal agressor. “Por mais irônico que possa parecer, em estado de guerra, a simples morte de alguém não é vista sob a ótica pretendida pelos recorrentes, que se aventaram na defesa dos direitos humanos”, ressaltou Noronha.

O relator citou precedentes que confirmaram a tese adotada pela Turma, entre eles o RO 99, da lavra da ministra Nancy Andrighi; o RO 110, da ministra Isabel Gallotti, e o RO 66, da relatoria do ministro Fernando Gonçalves, que reconheceu: “Não há infelizmente como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ato de império daquele país, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.”





fonte: STJ

sábado, 27 de julho de 2013

Oportunidade rara : não marchar sozinho

 


Rogério Greco, Procurador de Justiça/MG,  Mestre e Doutor em Direito 
William Douglas, Juiz Federal/RJ, Mestre em Direito

           O meio acadêmico tem acompanhado, com muita expectativa, o resultado das reclamações relativas à questão prática da prova de Direito Penal, do X Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada no dia 16 de junho de 2013, elaborada pela Fundação Getúlio Vargas.
          O enunciado da questão prática, bem como a resposta constante do gabarito oficial comentado pela própria OAB, foram objeto de inúmeras críticas, levadas a efeito pelos autores mais renomados na área, a exemplo de Cezar Roberto Bitencourt,  Francisco Muñoz Conde, Alice Bianchini, dentre outros.
Para não sermos repetitivos, apontando os mesmos e graves erros já devidamente indicados por esses autores (e apresentados na carta também postada no blog), nos limitaremos a aderir a tais críticas, assim como reforçar a necessidade de revisão desta prova. Vale lembrar que já foram anuladas, no dia 20 de junho de 2013, duas questões discursivas da prova prático-profissional na área de Direito Civil, medida que louvamos.
Por que razão a Ordem dos Advogados do Brasil permitiria haver numa mesma prova, só por ser de disciplinas distintas, dois pesos e duas medidas? Não seria compreensível esse comportamento. Será que pelo fato de já terem anulado as questões acima apontadas, o concurso perderia seu crédito, sua legitimidade, anulando outras questões? É claro que não. Ao contrário, a capacidade de corrigir eventuais erros aumenta a credibilidade ao invés de reduzi-la.
Todos nós queremos acertar. Temos experiência como examinadores em concursos (Rogério, MP/MG; William, Delegado de Polícia/MP). Sabemos o quanto é ruim anular uma questão. A sensação não é das melhores. Procuramos acertar, mas às vezes são os comentários de todos após a prova que nos permitem perceber os nossos erros. Somos humanos, erramos. Nestas horas, cabe ter a humildade de evitar um mal maior, e injustiças, e também uma chuva de ações judiciais, e simplesmente anular a questão.  
Não podemos deixar que a nossa vaidade supere a razão, nem a OAB pode permitir que isso ocorra da parte de quem elabora o Exame Unificado. Temos que entender que as pessoas que fizeram a prova estudaram, se dedicaram, gastaram tempo, recursos, enfim, pessoas que estão ali em busca de um objetivo que, com toda certeza, não pode ser deixado de lado em virtude do ego ou desconforto.  Os candidatos têm o direito de não ter sua vida profissional prejudicada por uma reprovação injusta.
No caso da prova de Direito Penal, a grande maioria da doutrina, percebeu e alertou sobre os erros cometidos. Uma ou outra posição isolada – comum no Direito – não pode servir de pretexto para se ignorar críticas quase que unânimes. O ideal é outro: não desperdiçar nem ignorar esse controle posterior de qualidade e acerto, feito pelos doutrinadores e professores, um controle que contribui para a justiça nas provas. Afinal, sem justiça não há democracia. A OAB, que acertadamente informa que sem advogado não há justiça, deve dar o primeiro exemplo.
Será que esses doutrinadores, muitos deles citados nas decisões proferidas pelos nossos Tribunais Superiores, estão equivocados? Eles é que seriam os vaidosos, querendo, a todo custo, anular uma questão que está correta? Obviamente que as respostas só podem ser negativas.
A Ordem dos Advogados do Brasil é grande o suficiente para assumir o seu erro. A Fundação Getúlio Vargas é composta por profissionais capacitados, mas que também erram. Se houvesse possibilidade de dupla interpretação, a questão seria passível de anulação, se a banca examinadora insistisse em seu ponto de vista, que dirá quando, com toda vênia, estamos diante de erros fundamentais.
Assim, para que essa polêmica acabe, de uma vez por todas, e a Ordem dos Advogados do Brasil, que sempre lutou pelo ideal de Justiça, saia vitoriosa também nesse embate, deverá anular as questões devidas, atribuindo pontuação a todos os candidatos que se submeteram ao aludido exame.
Essa correção é duplamente importante: primeiro, por sua justiça. Segundo, porque estamos diante de um Exame importante para toda a sociedade e em relação ao qual eventuais injustiças podem lançar riscos a sua manutenção. O Exame deve existir, mas sua aplicação deve ser saudável. Questões mal formuladas e não anuladas e excesso de rigor nas questões bem formuladas são erros a serem evitados sob pena de se desmoralizar um exame que sempre defendemos não só para os bacharéis em Direito, mas para todos os cursos superiores.
Então, estamos diante de uma oportunidade rara: agir com acerto e humildade engrandecerá a OAB, a FGV e o Exame em si. E tão grande quanto o benefício possível a todos (inclusive aos candidatos lesados), será o dano a todos por se caminhar em sentido contrário, escolha que pode parecer mais fácil agora, mas inequivocamente será o caminho mais longo e deletério para todos. A própria demora em resolver com a rapidez necessária um problema de fácil solução já é ruim, mas dos males o menor: que a solução venha agora.
Esse momento nos lembra uma velha história de uma mãe, encantada com seu filho na parada de 7 de setembro, vira-se para uma amiga que estava ao seu lado e, cheia de orgulho, diz:

“- Meu filho é o único que está marchando certo!”.
          Moral da história, enquanto todo o pelotão marchava, coordenadamente, o filho daquela ilustre senhora era o único que fugia ao padrão da tropa. Para ela, era o único certo. Estamos diante de uma rara oportunidade de a OAB e a FGV não cometerem o erro dessa mãe.











fonte: Blog do Wiliam Douglas