quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cautelar da Telexfree é extinta por ser pequena a chance de admissão do recurso especial


A ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), extinguiu medida cautelar movida pela Ympactus Comercial Ltda. ME, representante da Telexfree, e manteve suspensas as atividades da empresa. Seus ativos financeiros também seguem bloqueados.

A suspensão foi determinada em liminar no âmbito de ação promovida pelo Ministério Público do Acre (MPAC). A empresa recorreu da suspensão ao Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), que negou o agravo de instrumento.

Dessa decisão, a empresa interpôs recurso especial, cuja admissibilidade ainda não foi examinada pelo TJAC. Compete ao tribunal local verificar se os requisitos formais do recurso especial estão atendidos, decidindo se remete o exame de mérito ou não ao STJ. Era a esse recurso que a cautelar buscava conceder efeito suspensivo. Se atendida, a empresa conseguiria retomar suas atividades.

Admissão improvável

Porém, conforme a relatora, para que o efeito suspensivo a recurso especial ainda não admitido seja concedido pelo STJ, é preciso que se verifique a forte probabilidade desse recurso ser viável e defender uma tese jurídica plausível. Para a ministra, não é o que ocorre no caso.

Segundo a decisão da ministra, em regra não cabe recurso especial contra decisão que concede liminar ou antecipa tutela. O exame dos pressupostos necessários para esse tipo de decisão é vedado aos tribunais superiores, conforme a Súmula 735 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, para a ministra, a análise de uma das principais alegações da empresa, a pretensão de diferenciar suas atividades do enquadramento de pirâmide financeira, demandaria o revolvimento de fatos e provas. A Súmula 7 do STJ impede esse tipo de exame em recurso especial.

A relatora também anotou que, salvo em situações excepcionais, de gravíssimo risco de dano irreversível, compete ao tribunal local o exame de medida cautelar que busca conceder efeito suspensivo a decisão impugnada por recurso especial ainda não admitido.

Alegações 
Na cautelar, a empresa sustentava estar sendo tratada de forma diferenciada, sem que existisse fundamento para tanto. A suspensão de suas atividades se basearia em meras alegações de atividade ilícita, estando ausente o devido processo legal que justificasse a “decisão avassaladora”.

Para a Ympactus, o MPAC também não teria legitimidade para atuar no caso. Segundo alega a empresa, suas atividades não envolvem direitos difusos ou coletivos, nem relação de consumo. Caso se entendesse tratar de defesa de direitos individuais homogêneos, seria indispensável a publicação de edital comunicando aos interessados o ajuizamento da ação coletiva. A falta desses requisitos tornaria nula a decisão.

Ainda conforme a empresa, a intervenção do STJ seria necessária e urgente, em razão da teratologia e ilegalidade da decisão do Judiciário acreano e da possibilidade de quebra da empresa devido à suspensão de suas atividades e bloqueio de valores. 




fonte: STJ

Achado não é roubado

 

Eudes Quintino de Oliveira Júnior e Pedro Bellentani Quintino de Oliveira

O insuperável Machado de Assis, no conto "A carteira", relata as angústias psicológicas do personagem Honório após achar uma carteira na rua, contendo uma considerável importância em dinheiro, suficiente para quitar uma dívida prestes a vencer. Suficiente também para dar início ao seu dilema de entregar ou não a carteira, cujo dono desconhecia até então. Acabou descobrindo que pertencia ao seu dileto amigo Gustavo que, por coincidência, encontrava-se em sua casa, conversando com sua esposa, D. Amélia. O amigo recebeu a carteira e com olhar desconfiado, como que duvidando de sua posse, não foi direto na repartição apropriada para o dinheiro e sim na vizinha, naquela que trazia os cartões, anotações e bilhetes.
Percebe-se pela narrativa machadiana que a conduta se ajustaria ao tipo penal de apropriação de coisa achada se Honório não a devolvesse ao legítimo possuidor, ou se não a entregasse à autoridade competente, no prazo de 15 dias, de acordo com o disposto no inciso II do parágrafo único do artigo 169 do Código Penal. O Código Civil é mais exigente. Além de determinar a entrega da coisa ao dono ou legítimo possuidor e se não o conhecer "o inventor fará por descobri-lo, e, quando se lhe não depare, entregará o objeto achado à autoridade competente no lugar"1. Tudo para excluir a achada de coisas perdidas de modalidade de aquisição excepcional de propriedade.
O jornal O Estado de S. Paulo2 recentemente veiculou uma notícia informando que Universidade de São Paulo estaria pleiteando a devolução das obras de arte que foram encontradas por um marceneiro no lixo da própria Instituição de ensino.
Consta na matéria jornalística que o marceneiro Antônio Luiz Góis Passos, em 2011, encontrou 15 quadros de obras de arte em uma lixeira do Departamento de Química daquela universidade. Os quadros, por si sós, não são de grande valor, mas juntos somam cerca de R$ 50 mil. São reproduções originais francesas de artistas como Edgar Degas, Maurice de Vlaminck, Maurice Utrillo, Paul Gauguin e Maurice Utrillo.
Ao perceber que os quadros seriam descartados, Antônio ainda se preocupou em procurar os responsáveis para saber se o destino daquelas obras seria realmente a caçamba. Segundo ele, nem os professores nem a Instituição queriam aqueles entulhos. Pois então, seduzido pela beleza das telas e pela simplicidade de quem sabe apreciar o belo, decidiu levá-las para sua casa, onde até hoje permanecem enfeitando suas paredes.
Após dois anos, a USP agora pretende a devolução dos quadros. Seria justo?
O senso de justiça social aponta que os quadros devem permanecer com o marceneiro. Ora, foi ele quem deu um fim digno às obras que seriam esquecidas em meio a toneladas de lixo. O raciocínio é simples: quem descarta um objeto no lixo o faz porque não precisa mais dele. Pensando assim, aplausos para Antônio que agiu de boa-fé e tornou-se legítimo possuidor das obras. O direito lhe socorre.
Primeiramente, é importante entender que os bens foram voluntariamente descartados do patrimônio da Instituição. A responsabilidade civil, em tese, seria do funcionário responsável pela ordem dada. As obras depositadas na lixeira pela instituição são consideradas coisas abandonadas, isto é, o dono não tem mais interesse em sua propriedade e a despreza, deixando-a disponível para quem tiver interesse. É a chamada res derelicta.
Assim, de antemão, é possível descartar hipótese de crime de furto, art. 155, do CP, isto porque o tipo penal pressupõe a subtração de coisa alheia. Portanto, considerando que as obras perderam seu caráter de coisa alheia no momento do descarte, não há que se falar em subtração.
E quanto ao ditado popular, "o achado não é roubado"? Inicialmente, o bem que é encontrado tem relevância no mundo jurídico, pois se pressupõe a existência de um proprietário. Trata-se da res desperdicta, ou coisa perdida. Nesta senda, podemos caminhar por dois sentidos.
De um lado, se a coisa é realmente perdida, de modo que se encontra distante de seu dono, fora de sua esfera de proteção, o sujeito que se apropria do bem incide no delito do art. 169, parágrafo único, II, do CP, que é a apropriação de coisa achada. Pelo artigo citado, constitui crime "quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias".
Por outro lado, caso a coisa perdida esteja ainda sob a esfera de proteção da vítima, mas essa não percebe tê-la perdido, a subtração da coisa por outrem, então, passa a configurar o delito de furto. É o caso da vítima que, sem notar, deixa sua carteira cair e o autor, vendo a cena, nada faz, esperando o melhor momento para subtrai-la.
Na mesma esteira da res derelicta caminha a res nullius, que é a coisa de ninguém. A única diferença entre elas é que a coisa abandonada um dia já teve dono, enquanto que a outra nunca teve um proprietário. Deste modo, ambas não podem ser objeto de furto. Impossível, portanto, a subtração de um bem que foi abandonado, perdido ou que nunca teve dono.
Adiante, também podemos descartar a hipótese de apropriação indébita, do artigo 168, do CP, que pressupõe que a coisa, além de ser alheia, deve estar na posse ou detenção do sujeito ativo do delito. Veja que a hipótese é incabível ao caso em tela pelo simples fato de que o bem deve ter dono – aplica-se aqui o raciocínio visto acerca da hipótese do furto.
Ainda no estudo da apropriação indébita, também é de total improcedência a segunda parte do tipo penal, pois para configuração do delito é necessário que o sujeito ativo esteja na posse ou detenção da coisa. Ficou claro pelo noticiado que os bens não estavam na posse ou detenção do marceneiro, mas sim que foram descartados como entulho e, posteriormente, por ele recolhidos.
Por fim, a conduta de Antônio melhor se enquadra na tese de atipicidade do fato, tendo em vista que as obras de arte por ele encontradas, naquele momento, não possuíam dono, ou seja, já gozavam do status de res derelicta – coisa abandonada. Tal razão exclui a hipótese de serem os quadros classificados como res desperdicta, uma vez que eles não foram achados, e sim propositadamente dispensados.
Se justo ou não, a USP agora vai tentar reaver os quadros que por ela foram abandonados. Mas, vai encontrar um obstáculo instransponível à frente: o título de propriedade de Antonio, que lhe assegura o direito de se deliciar e mirar as obras que descansam nas paredes de sua casa. Será que Degas, destacado pintor impressionista que, como Machado de Assis, dava vida a seus personagens, fazendo com que se parecessem reais, aceitaria ser despejado do lar que o abrigou?
Agora, voltando ao conto do mestre que prima pela ironia. Quer saber por quê Gustavo desconfiou quando Honório lhe entregou a carteira com o dinheiro? Justamente porque continha em seu interior bilhetes de amor que havia escrito para Da. Amélia, com quem tinha um caso...
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1 - Artigo 603 e seu parágrafo único do Código Civil.
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Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado;Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

STJ nega pedido de indenização por ataque a barco pesqueiro durante a Segunda Guerra


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso em que familiares de pescadores pediam indenização da República Federal da Alemanha pelo afundamento do barco Changri-lá, ocorrido no litoral de Cabo Frio (RJ), durante a Segunda Guerra Mundial.

A Turma, especializada em direito privado, entendeu que o ataque de um estado a outro em período de guerra constitui decisão soberana, pela qual uma nação não se submete à jurisdição de outra nação.

Em ocasiões anteriores, o STJ julgou outros recursos de familiares das vítimas do Changri-lá, nos quais aplicou a mesma tese. Em um deles, RO 66, foi apresentado recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda pendente de admissão pela Corte Suprema.

Sem sobreviventes

De acordo com os recorrentes, em 1943, o barco de pesca Changri-lá, com dez tripulantes, foi abatido a tiros de canhão pelo submarino alemão U-199, que percorria a costa brasileira.

Os autores disseram que nenhum dos tripulantes da embarcação pesqueira sobreviveu e que, posteriormente, o submarino alemão foi abatido pelas forças brasileiras. Disseram que foram resgatados alguns sobreviventes do submarino, que, após interrogatório nos Estados Unidos, confessaram ter afundado o Changri-lá.

Em 1944, o Tribunal Marítimo concluiu que não havia provas de que o barco pesqueiro fora afundado pelo submarino alemão e arquivou o caso. Porém, em 2001, com base em novos elementos trazidos por um historiador, o Tribunal Marítimo mudou o entendimento e concluiu que o submarino da Alemanha teria mesmo abatido o Changri-lá.

O acórdão do Tribunal Marítimo declarou que o U-199 foi afundado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e lembrou que, após os sobreviventes serem resgatados e interrogados, confessaram o ataque a um “veleiro”. Depois de confrontados os depoimentos com documentos de bordo existentes no U-199, concluiu-se que a embarcação atacada era o Changri-lá.

Ato de império

Diante dessas conclusões, foi ajuizada ação de reparação por danos morais sofridos pelos familiares dos pescadores mortos no barco. A Alemanha foi comunicada do feito e declarou sua imunidade diante da jurisdição brasileira, pois entendeu que praticou ato de império, numa ofensiva militar em período de guerra.

A ação foi extinta sem julgamento de mérito em primeiro grau, em virtude da imunidade da República Federal da Alemanha. Os autores apresentaram então Recurso Ordinário contra a decisão.

Alegaram que não se aplica a imunidade nas hipóteses de afronta aos direitos humanos e que não existe imunidade de jurisdição por atos praticados no território do estado do foro.

Para a Terceira Turma, a imunidade de jurisdição não é vista de forma absoluta atualmente. De acordo com os ministros, ela é excepcionada principalmente nas hipóteses em que a causa tenha como fundo relações de natureza puramente civil, comercial ou trabalhista, ou que, de qualquer forma, se enquadre no âmbito do direito privado.

Supremacia estatal

Entretanto, de acordo com os ministros, quando se trata de atos praticados numa ofensiva militar em período de guerra, a imunidade é absoluta e “não comporta exceção”.

Segundo o relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, mesmo com as confissões dos tripulantes e do comandante do U-199 às autoridades brasileiras e posteriormente às americanas, as afirmações “não socorrem os autores da ação, pois o prosseguimento do feito esbarra num óbice intransponível, segundo o direito atual: a supremacia estatal, perfectibilizada nos atos de império praticados pelas nações no âmbito de suas jurisdições”.

Noronha garantiu que no caso em questão a imunidade é absoluta, “pois o ato praticado pelo estado estrangeiro deu-se numa situação excepcional, qual seja: estado de guerra, em que o Brasil se posicionou contra a Alemanha”.

Para o colegiado, nesse tipo de situação, considera-se que os ataques praticados contra o estado com o qual se guerreia são decorrentes da decisão soberana do ente estatal agressor. “Por mais irônico que possa parecer, em estado de guerra, a simples morte de alguém não é vista sob a ótica pretendida pelos recorrentes, que se aventaram na defesa dos direitos humanos”, ressaltou Noronha.

O relator citou precedentes que confirmaram a tese adotada pela Turma, entre eles o RO 99, da lavra da ministra Nancy Andrighi; o RO 110, da ministra Isabel Gallotti, e o RO 66, da relatoria do ministro Fernando Gonçalves, que reconheceu: “Não há infelizmente como submeter a República Federal da Alemanha à jurisdição nacional para responder a ação de indenização por danos morais e materiais por ato de império daquele país, consubstanciado em afundamento de barco pesqueiro no litoral de Cabo Frio por um submarino nazista, em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.”





fonte: STJ